terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Seremos adultos com competências para aplicar a justiça aos nossos filhos?


Durante um programa televisivo uma história interessante  passada em Portugal, atraiu a minha atenção. Felizmente que esta historia teve um desfecho feliz para a adolescente e para os pais dela.

Todavia, tomei conhecimento da mesma história, antes de a peça passar na TV, através de um jornal diário. A notícia fazia referência a uma adolescente, de 13 anos, que foi dada como desaparecida de casa dos pais. Ninguém sabia dela. 

Deixou uma carta aos pais afirmando “ Saí de casa porque vou participar num concurso televisivo.”Não recordo, ao pormenor, o conteúdo da carta, mas pelo menos a intenção da adolescente na carta, era mesmo essa. Ao ler, imediatamente, pensei no pior dos cenários e no sofrimento dos pais. Felizmente, uns dias depois apareceu sã e salva. Todavia, esta adolescente apareceu com uma história para contar aos TODOS adultos, que são pais ou aqueles que façam intenção de o ser.


Assisti ao relato sobre esta história rocambolesca quando a adolescente, na presença dos pais, apareceu num programa de televisão. O apresentador do programa, perguntou-lhe “Diz-nos lá o que é que aconteceu para fugires de casa dos teus pais”. Segundo a adolescente, fugiu de casa, porque não suportava mais que os pais a sobrecarregassem de tarefas domésticas, de não ter tempo para estar com amigos/as, por estar sempre a trabalhar, a ser repreendida, pressionada e submissa, de substituir a mãe na educação de 3 irmãos, de ajudar o pai e durante a ausência da mãe era a adolescente que ocupava o seu lugar, com treze anos.

Procurei ouvir atentamente o relato da sua fuga. A adolescente pareceu-me ter um discurso coerente, honesto, realista, espontâneo e com a noção do certo e do errado. Esta criança, estava perante as câmaras, na companhia dos seus pais, a afirmar e admitindo que aquilo que tinha acabado de fazer estava errado, pareceu mostrar indícios de arrependimento, mas pareceu também mostrar revolta, indignação, frustração e maturidade.

Pensei “Com 13 anos, esta rapariga foi uma corajosa...” ter desaparecido de casa foi a forma como ela decidiu inverter a situação que considerava insustentável. Obviamente, que não estou a afirmar que este tipo de comportamento, adoptado pela adolescente seja o correcto, mas gostaria de expor o seguinte através de uma questão. Nesta família, e segundo o relato da adolescente, na presença e com a confirmação dos pais, a situação era insustentável, quem era o/os responsáveis de forma a zelar pelos direitos da criança, de forma a prevenir uma desfecho trágico, com eventuais consequências dramáticas, que felizmente acabou por não acontecer? Será justo a adolescente não ter tempo para si mesma, em prol dos interesses egoístas dos pais? A resposta é, não é justo.

 Foi referido pelo apresentador do programa, que uma psicóloga que assistia prontificou-se, imediatamente, a ajudar a criança. Pensei "Ok, ajuda para a adolescente...” logo de seguida exclamei “E os pais?! Eles é que precisam de ajuda. São adultos e pais. Com deveres e responsabilidades para com os filhos.”

Mais uma vez, concordo que esta criança necessite de apoio, mas aquela família, principalmente os progenitores, aparentam estar a negligenciar a educação e o desenvolvimento necessário que promova o bem-estar da adolescente e dos irmãos mais novos. Eles, os pais, acima de tudo é que precisam de apoio e de orientação, porque aquela adolescente, está a sofrer.

Durante muitos anos em Portugal, ao longo de gerações, a educação das crianças, nunca entendi bem as razões desta permissão ou aceitação pelos adultos e sociedade em geral, era valorizada, acima dos estudos, pelo trabalho. Onde estavam os defensores dos direitos das crianças? Advogados, jornalistas, padres, professores, médicos… As crianças começavam a trabalhar aos 10, 12 ou 13 anos, para ajudar no sustento da casa, segundo afirmam. O trabalho infantil era considerado um recurso na família e explorado pela sociedade. Hoje, em Portugal, em pleno sec. XXI ainda existem situações reminiscentes em relação ao sec. XX (100 anos).

Considero vital para o desenvolvimento das crianças até a idade adulta a componente social. A relação com os pares, explorar o mundo dos adultos, os valores morais da sociedade (certo e errado, justo e injusto), desenvolver relações significativas, adquirir competências na gestão das emoções (ex. assertividade, a lidar com a frustração e raiva), relacionamento, de confiança, com figuras adultas e autoritárias. A adolescência é uma fase de aquisição e estruturação da identidade, em que se adquire competências para viver o mundo que nos rodeia e encontrar o lugar nele (propósito e significado).  

Como pai e profissional, aprendi uma lição de uma adolescente determinada e suficientemente capaz de encontrar soluções para a sua vida, insuportável. Hoje as coisas na sua casa devem ter mudado, provavelmente, agora sente que pode ser adolescente, antes que os adultos teimem em impor regras que desvalorizam os direitos das crianças. O mundo dos adultos não é seguro para algumas crianças vulneráveis