quarta-feira, 16 de maio de 2012

Uma cultura que não previne


Depois de ver o vídeo: Magazine da RTP - Sociedade Civil (i) atrevo-me a confirmar, aquilo que venho a afirmar desde a existência deste blogue (2007), que não existe uma cultura de Prevenção das Dependências em Portugal. Quando se abordam "os consumos de álcool e outras dependências juvenis", nos meios de comunicação social, aborda-se o assunto de uma forma muito superficial, diria resignada e cordial entre as partes envolvidas, numa atitude de negação para com a verdadeira dimensão do problema. Alguns factos: 1. Facto: Somos uma cultura que bebe; que promove e incentiva o consumo e o abuso do alcool de jovens a menores de idade. Pessoalmente, fico preocupado quando imagino equipas de indivíduos adultos, à volta de uma mesa, a discutir técnicas agressivas de marketing cujo alvo são jovens de 16 anos e o consumo de bebidas alcoolicas. 2. Facto: O álcool é uma droga. O abuso de álcool e o alcoolismo são um problema de saúde publica. Questão da qual não conheço a resposta: Quantos portugueses, refiro-me aos indivíduos, às suas famílias, incluindo as crianças, são afectados pelo abuso do álcool e do alcoolismo?
Nota: Sem esquecer as outras substâncias psicoactivas lícitas, medicação receitada pelo medico (auto medicação), e as ilícitas.
O problema serio dos "consumos do álcool e outras dependências juvenis" persiste, intocavel e negligenciado, e assim é porque não existe vontade politica, legislação e investigação que considere a prevenção das dependências uma prioridade (plano nacional de saúde); o investimento financeiro na prevenção e na saúde das crianças e jovens, compensa, a médio e a longo prazo.

Infelizmente neste programa/magazine da RTP não abordou o fenómeno, relativamente recente, preocupante e investigado nos EUA e no Reino Unido, também varias vezes referido neste blogue, denominado Binge Drinking (http://kidshealth.org/teen/drug_alcohol/alcohol/binge_drink.html). O que é o Binge Drinking? Abuso no consumo de bebidas alcoólicas, num período reduzido de tempo, cuja principal intenção é a intoxicação (embriaguez). Por ex. entre os homens o consumo seguido de 5 ou mais bebidas e nas mulheres o consumo seguido de 4 ou mais bebidas. Este fenómeno pode ocorrer durante varios dias seguidos e afecta negativamente os comportamentos dos jovens - algumas consequências previsíveis após o Binge Drinking: acidentes, condução sob o efeito do álcool e/ou drogas, violência, agressão  sexual e abuso, doenças sexualmente transmissíveis (hepatite, VIH) , intoxicação alcoólica e morte
Para terminar, eis algumas questões que precisam de ser investigadas e reveladas ao publico em programas semelhantes ao magazine Sociedade Civil da RTP. Afinal é serviço publico.

1. As festas organizadas pelas associações de jovens estudantes, de norte a sul do país, são patrocinadas pela industria do álcool, cujo intuito é somente o lucro.

2. Nos eventos,  onde o publico é maioritariamente jovem (festejos estudantis, festejos da grandes cidades) quais as medidas legislativas de forma a prevenir o marketing agressivo da industria do álcool?

3. Quantas crianças/jovens são admitidas nas urgências dos hospitais como consequência do Binge Drinking?

4. Quais as consequências, entre os jovens, do Binge Drinking?

5. Quantas mortes estão relacionadas com o Binge Drinking?

Siga o link e veja o programa da RTP
(i) RTP Magazine Sociedade Civil


segunda-feira, 14 de maio de 2012

Crise na Família



Nos últimos meses tenho recebido vários emails de mães, assustadas e impotentes, perante o eventual fenómeno do consumo e/ou dependência de drogas ilícitas.
Uma das questões mais comuns: “O meu filho de 16 anos consome haxixe. Ele diz que não há problema, mas estou assustada, será que ele pode ser toxicodependente?”

Prevenção que não previne, pelo contrário.
1. Hoje em dia, um número muito significativo de crianças e jovens está exposto e vulnerável perante o fenómeno do consumo excessivo de drogas lícitas, incluindo o álcool, e as ilícitas e em relação a este fenómeno sabemos apenas a ponta do iceberg, isto é, não existe prevenção em Portugal.

2.  Um número significativo de jovens faz consumos concomitantes de bebidas alcoólicas e canabinoides (haxixe e marijuana). Através da minha experiencia profissional, atualmente o consumo de substâncias psicoactivas ilícitas, canabinoides (http://www.doping-prevention.de/pt/substances-and-methods/cannabinoids/cannabinoids.html), faz parte de um acto social, idêntico ao consumo de bebidas alcoólicas, que desde os anos 80 tem ganho cada vez mais adeptos. Quais são os efeitos a medio e longo prazo, nos jovens sobre o consumo excessivo e concomitante entre as bebidas alcoólicas e os canabinoides (THC)? Não conheço a resposta nem existe investigação.

3. A guerra global às drogas existe desde os anos 70 e está longe de acabar. Aquilo que sabemos é que a oferta (trafico) supera a procura (consumo), eis um exemplo muito prático, se um jovem curioso  está interessado em consumir e experimentar os efeitos dos canabinoides, não tem muito trabalho e/ou esforço para conseguir obter a desejada substância. É mais simples, do que possamos imaginar. Há 25 anos atrás um jovem que quisesse encontrar, por exemplo haxixe seria mais difícil, hoje não. Por exemplo, no outro dia li num jornal, que um jovem foi detido, na sua escola, por se dedicar ao tráfico de drogas. Ficamos alarmados, mas de certeza que não é um caso isolado.

O que é que acontece quando o consumo de drogas ilícitas entra em casa, de rompante?
Frequentemente, quando surge no seio familiar, evidências sobre o consumo de substâncias psicoactivas ilícitas, canabinoides, pela criança/adolescente, a reação da mãe, quanto ao pai é o ultimo a saber, é de choque; “ E agora? O que é que vamos fazer?” Por exemplo, quando uma mãe aborda o assunto do consumo com o filho, a resposta é: “Mãe, não estejas preocupada porque eu sei o que estou a fazer. Sabias que o haxixe é uma droga leve? Sabias que o álcool é mais perigoso que o haxixe? Eu não fumo muito, é só de vez em quando.” Perante esta resposta, mais ou menos esclarecedora, do ponto de vista da mãe, esta fica mais tranquila, pensa que o filho está devidamente informado e é responsável por aquilo que faz, algumas mães ainda teimam, indecisas, em tom de ameaça velada “Vê lá o que andas a fazer, porque se o teu pai sabe disso já sabes como ele é”. 

Sem explorar mais dinâmicas na família (interação filho e mãe/pai) em relação ao assunto, de acordo com a resposta do filho, podemos pensar em duas questões: 1. O assunto da prevenção sobre o consumo de cannabinoides, na família, não foi abordado 2. com a agravante de a informação que o filho possui, provavelmente foi obtida na rua com os amigos que também fumam e ou na internet  “O haxixe é uma droga leve. O álcool é mais perigoso que o haxixe, por isso devia ser legalizado.” A criança/adolescente pensa: “Só é perigoso se fumar muito, por isso, se fumar de vez em quando não faz mal.” Sabia que apesar do haxixe não provocar dependência, pode tornar-se um hábito? Sabia que o nível de THC, ingrediente psicoativo toxico (http://pt.wikipedia.org/wiki/Tetraidrocanabinol) [i] que potencia o efeito, é elevado, comparado com o nível de THC de há duas décadas? Sabia que apesar de ninguém morrer com o consumo excessivo de cannabinoides, todavia, em alguns indivíduos, pode conduzir á loucura? Sabia que, na última década, os pedidos de ajuda, por exemplo no Instituto de Droga e da Toxicodependência (http://www.idt.pt) e outras instituições relacionados com o consumo excessivo de cannabinoides aumentaram significativamente? Sabia que as substâncias psicoactivas (sistema nervoso central) interferem no desenvolvimento normal do cérebro humano que só completa a sua maturação aos 21 anos de idade? Na minha opinião, pessoal não existem drogas leves nem drogas duras, é um mito, existem drogas psicoactivas, de acordo com as suas especificidades.

Adiante, voltemos ao assunto da família. Se as consequências relacionadas sobre o consumo dos cannabinoides se agudizam, no comportamento do filho (por ex. absentismo escolar, impulsividade, perda da memoria e concentração, euforia, pequenos delitos, isolamento da família – o convívio familiar é comprometido em prol do convívio com os pares; ex. deixa de haver horários para entrar e sair de casa, para as refeições, a família não conhece os amigos) estão reunidas as condições para uma crise na estrutura familiar, e caso não sejam adotadas medidas integradoras e construtivas, pode comprometer seriamente a comunicação e a coesão familiar (estrutura/hierarquia). 

Quando a questão do hábito do consumo de canabinoides e as consequências negativas é do conhecimento geral de toda a família, o foco da atenção é direcionado para o membro (criança/adolescente): Por exemplo, varias tentativas para interromper o hábito dos consumos, censurar e castigar, ameaças que não se cumprem e/ou tentativas em negar ou minimizar o problema. Apesar de este tipo de abordagem, funcionar em alguns casos, creio que não funciona na maioria deles. Um dos fatores que pode contribuir para o aumento exponencial da crise na família são o surgimento de quezílias antigas entre os membros da família (exemplos; defeitos de caracter, ressentimentos, remorsos e mágoa, divorcio, infidelidades, segredos) que complicam, ainda mais a abordagem do problema do habito e as consequências do consumo, assim como a solução. A dinâmica e hierarquia familiar (crianças, adolescentes e adultos) podem tornar-se caóticas, por exemplo através da agressividade ou passividade, da troca de acusações, na procura de culpados. Perante um problema na família, quem é o responsável por gerir os recursos da família? Quem é o responsável pelas decisões na família? Quem é o responsável por assumir determinados riscos na família? A hierarquia familiar está sustentada em valores e tradições que fomentam o diálogo? A coesão? A confiança?  

Se fossemos à procura de culpados para eliminar o problema das dependências, o mais provável é que seriamos todos nós. Depois, tal como foi referido anteriormente, o fenómeno das drogas veio para ficar. Vivemos numa sociedade capitalista em que o lucro (poder económico) está acima dos direitos e das liberdades da criança. Não existe vontade dos líderes políticos e na justiça (leis) quanto à prevenção das dependências. Na realidade, quando uma criança/adolescente, decide voluntariamente, consumir canabinoides e esse tipo de comportamento o conduz ao hábito, não existem culpados. O fator mais importante, na minha opinião, é a forma como a família se organiza e se estrutura em torno do problema, em vez de criar mais problemas. Afinal, o mais importante é o apoio à criança/adolescente.
Na crise familiar é extramente importante restabelecer o diálogo, a coesão, definir um plano e limites, regras que salvaguardam a instituição familiar -“O todo é mais importante que a soma das partes.” Só somos livres se vivermos de acordo com as regras instituídas, quer seja na família ou na sociedade, caso contrario, teremos que assumir as consequências dos nossos atos, quer sejamos crianças, adolescentes ou adultos. Na natureza não existem culpados, existem consequências.

Dicas:
1. Antes que surjam indícios sobre o consumo de substâncias psicoactivas lícita, incluindo o álcool, e as ilícitas, da parte do seu filho, aborde o tema da prevenção das dependências. Procure ajuda. O seu esforço e o seu investimento, neste tema, pode revelar-se recompensador, a medio e a longo prazo.

2. Questão: Quais são as regras instituídas pela família quanto ao consumo de substâncias psicoactivas lícitas, incluído o álcool e o tabaco, e as ilícitas? Se não existem regras definidas e esclarecidas por todos, trate de implementar, com os membros da sua família, antes que surjam factos e evidências, porque depois pode ser tarde. Como progenitor, dê o exemplo na aplicação das regras.

3. Se o seu filho consumir substâncias psicoactivas, canabinoides, isso não significa que ele/ela vai ser um dependente. Todavia, promova o diálogo sobre o assunto; não desvalorize ou sobre valorize. Trabalho de equipa: promovam atividades em família na pesquisa, atualização e informação sobre os efeitos do consumo excessivo de cannabis.

4. Caso exista na família um historial de doenças mentais (depressão, ansiedade) ou dependência de drogas, incluindo o álcool, esteja atento/a caso o seu filho seja consumidor de substâncias psicoactivas (ex. canabinoides) e informe-o das possíveis consequências, porque o consumo pode despoletar e/ou agravar os sintomas da doença (hereditariedade).

5. Treine o ouvir, sem interromper e sem fazer julgamentos de acordo com valores moralistas e desatualizados pela sociedade. O que é que ele/a pensa sobre o consumo? Qual é a atitude dele perante este comportamento? Avalie se ele/a ouve, se é responsável, se tem auto crítica, se aquilo que diz é coerente com aquilo que faz.

6. Faça perguntas, se quer obter as respostas que pretende.

7. Peça ajuda

Facto: Desde 2007, ano da existência deste blogue, até aos dia de hoje, ainda não recebi um único email de pais assustados em relação ao consumo e/ou abuso de bebidas alcoólicas. Você sabia que as drogas mais perigosas são as drogas lícitas? Refiro-me ao álcool e ao tabaco.



[i] Nota: Pesquisei a palavra Delta9 Tetrahidrocanabinol, também conhecido por THC no portal da saúde, no portal do IDT e não obtive qualquer resposta. Aparentemente, a prevenção das dependências não existe em Portugal.